O melhor que podemos esperar da T21

Resultado de imagem para clara paginas da vida

Há uns dias, durante um zapping noturno, ao passar pela Globo, uma imagem desta menina prendeu-me a atenção. O facto de ter trissomia, por si só já era motivo para passar a assistir à novela, mas o que me fez ficar mesmo colada à televisão foram as palavras que começaram a ecoar na minha cabeça, fazendo-se de repente tão presentes.

Quando me confirmaram o diagnóstico da minha filha, algures no meio da conversa (ou monólogo), perguntaram-me se eu me lembrava de uma novela brasileira em que uma das protagonistas era uma criança com Síndrome de Down. Segundo o geneticista, essa criança representaria o que de melhor se pode esperar da trissomia. Com sorte, talvez a nossa filha se pudesse aproximar desse patamar, embora fosse muito difícil, pois é um caso de trissomia simples, ao contrário da menina da novela, que não teria todas as células “afetadas” pelo cromossoma extra (desconheço a veracidade da afirmação).

Nunca tive curiosidade em saber mais sobre este “prodígio” da trissomia. Mas agora que tropecei na novela, é impossível não me deliciar  com cada cena em que aparece a “Clara”. Hoje sei que aquela menina teve que  se esforçar muito para estar ali, pelo que só posso admirá-la e valorizar o seu trabalho. Certamente teve a seu lado alguém que riu, chorou, se desesperou muitas vezes, mas que, acima de tudo, acreditou. Só espero que tenha sido feliz em todo este percurso.

E pouco me importa se a minha filha será “melhor” ou “pior”, se é que se podem usar estes termos. Talvez precisemos de sorte, como dizia o geneticista, e ela até tem estado do nosso lado, porque a nossa menina tem sido bastante saudável. O resto é feito de amor e estímulo, perseverança e muita fé. Se há lição que aprendi desde o dia em que a trissomia cruzou a minha vida é que tudo se torna muito mais simples quando nos deixamos de comparações.

Não faço ideia se isto é o melhor que podemos esperar da trissomia, mas sei que isto prova que um diagnóstico não faz um destino. E é a essa certeza que me agarro todos os dias.

 

De que são feitos os nossos dias?

img_9510.jpg

Afinal, de que são feitos os nossos dias?

Parte do nosso tempo está ocupada com rotinas semanais: fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional e intervenção precoce. Depois há aquelas rotinas mais espaçadas: consultas de desenvolvimento, oftalmologista, otorrino, dentista e endocrinologista, mais os respetivos exames.

Todos os dias temos de fazer a pequena caminhar, conviver, explorar, sujar-se, porque, para além de precisar de trabalhar a parte física, pois os seus passos são ainda inseguros, ela é uma menina muito pacata e temos de ser nós muitas vezes a incentivá-la na sua descoberta do mundo.

Cá em casa, como nas outras casas, há todas aquelas tarefas que bem dispensávamos fazer, mas que têm de ser feitas. Nesta família, como noutras famílias há almoços, lanches e jantares para fazer, casa para arrumar e roupa para tratar. E ainda duas bebés para cuidar. Mas já deixámos de stressar tanto com isso e, haja o que houver, os fins de tarde, pelo menos nos dias de semana, são passados em casa e são dela(s). Tudo o resto pode esperar.

Duas horas do nosso dia (mais coisa menos coisa), são dedicados à estimulação da(s) nossa(s) filhota(s). E como faço/ fazemos (porque o pai também faz parte do processo) isso? Brincamos. Damos-lhe o nosso tempo. Temos um conjunto de competências, chamemo-lhe assim, que temos que trabalhar com ela e adaptamos as brincadeiras. A par com todas indicações dos terapeutas, semanalmente escolho um tema e brincamos muito em torno dele, da forma mais natural possível. Esta semana estamos a falar de transportes. Temos brincado com o que há por casa, não compramos nada propositadamente. Já fizemos puzzles, construções e vários outros jogos, lemos livros (que muitas vezes vamos buscar à biblioteca), pintámos e desenhámos. Aprendemos palavras novas. Fizemos barquinhos com rolhas de cortiça e brincámos com eles na água, estivemos no banco do jardim a ver o movimento na estrada, fomos para a rua andar de triciclo e, gostava que fôssemos os quatro andar de comboio ou barco pela primeira vez no fim de semana.

Desde que nasceu a mais pequena tivemos que deixar os fundamentalismos de lado. Há dias em que nada corre como planeado. Há dias em que os compromissos nos esgotam e apenas nos perdemos nos mimos e abraços uns dos outros. Afinal ela só tem dois anos e meio e já lhe exigimos tanto! E o melhor que temos a fazer é aproveitar as poucas horas de sono, porque o dia seguinte há de correr melhor.

Falta apenas referir que, quando as meninas dão uma trégua, antes de ir para a cama, ainda fazemos os materiais que vão sendo aconselhados nas terapias, muitas vezes completamente aturdidos pelo cansaço.

É esta a nossa normalidade. Perfeita, até nos dias mais imperfeitos.

Vejo-te

adulto-dedos-crianca-maos-unhas-pilha-de-maos-dadas_1680x1050.jpg

Vejo-te levar o teu filho para a terapia, enquanto os teus amigos levam os filhos para a escola de futebol ou para a dança.

Vejo-te a fugir das conversas em que os teus amigos se congratulam com as realizações dos seus filhos.

Observo-te a fazer malabarismo entre trabalho, escola, terapias e médicos.

Vejo-te sentado durante horas no computador a pesquisar as coisas necessárias para o teu filho.

Vejo a expressão na tua cara quando ouves pessoas que se queixam de coisas estúpidas.

Vejo-te a tirar forças da fraqueza, uma força que nunca sonhaste ter.

Observo o teu respeito pelos professores, terapeutas e profissionais de saúde que, dia após dia, ajudam o teu filho. Sabes como são importantes.

Vejo-te a acordar cedo de manhã e a fazer muitas coisas, apesar de outra noite em branco.

Observo-te quando estás cansado, mas continuas a lutar pela vida do teu filho.

Eu sei que te sentes invisível, como se ninguém soubesse de todas as nuvens que te envolvem, das lutas que tens de fazer.

Mas quero que saibas que estou ciente disso. Vejo-te sempre a empurrar-te para a frente.

Vejo-te sempre a fazer escolhas que podem dar ao teu filho os melhores cuidados em casa, na escola, na terapia e no médico.

Naqueles dias em que te perguntas se podes fazer mais, quero que saibas que te vejo.

Quero que saibas que vale a pena. Quero que saibas que não estás sozinho.

Quero que saibas que o amor é a coisa mais importante e que tu és o melhor neste assunto.

E naqueles dias em que vês uma melhoria, aqueles momentos em que o trabalho duro tem a sua pequena recompensa e tu sentes o mesmo que saborear o maior dos sucessos, eu vejo-te e estou orgulhoso de ti.

Aconteça o que acontecer hoje, tu vales muito, estás a ir muito bem… e eu vejo-te.”

(autor desconhecido)

As voltas que o mundo dá

IMG_5110 - Cópia (2).JPG

“Das habilidades que o mundo sabe, essa ainda é a que ele faz melhor: dar voltas” (José Saramago). E são essas curvas e contracurvas, altos e baixos que nos vão construindo e reinventando, mesmo quando a trajetória é feita de uma forma completamente diferente daquela que tínhamos idealizado.

E a nossa vida tem sido assim, cheia de voltas. Algumas quase nos deitaram ao chão, é verdade, mas outras têm sido maravilhosas descobertas. E é neste carrocel de acontecimentos que, de repente, nos vemos pais de quase gémeas. Nunca tínhamos pensado muito na ideia de ter outro filho e, em mais uma dessas voltas, o destino decidiu, sem nos consultar, que a nossa D precisava de uma irmã. Em menos de nada, depois de uma gravidez sem sobressaltos e de um parto perfeito, cá está ela nos nossos braços e a encher a nossa vida (ainda mais) de felicidade e sentido.

No início, foi estranho imaginar que teríamos de dividir o nosso amor e o nosso tempo. E de facto é difícil dar atenção às duas, é um exercício quase sobre-humano porque o dia não estica. Mas o amor, esse não se divide, multiplica-se.

E é tão bom ver que têm tanto em comum. Afinal, são irmãs e não há cromossoma nenhum que se sobreponha a isso. Partilham os mesmos jeitinhos, têm o mesmo olhar carinhoso, a mesma forma de chorar e de se aninhar no colo. Agora podemos comprovar aquilo que lemos algures um dia: quando uma criança com Síndrome de Down tem irmãos, podemos ver que são muito mais as semelhanças que as diferenças. Mais um ensinamento que esta volta da vida nos trouxe.

E entre uma volta e outra, vamos crescendo e evoluindo, mesmo com alguns tropeções pelo meio. Obrigada, vida, por esta bênção!

Escolher a vida

scan0009

Cada vez vamos conhecendo mais histórias de pessoas com trissomia 21 que desafiam todas as expectativas e se superam diariamente. A verdade é que mais do que nunca existem condições propícias ao desenvolvimento pleno destas pessoas, seja pelo avanço da medicina ou pela especialização de terapeutas, imprescindíveis no processo de estimulação e no acompanhamento das famílias.

No entanto, em Portugal, apenas cerca de 10% dos bebés diagnosticados com trissomia 21 durante a gravidez, chega a nascer. Não me cabe a mim julgar ninguém, muito menos abrir uma discussão sobre o aborto. Quero é falar sobre a escolha da vida…

Afinal, o que tem a minha filha a mais ou a menos que qualquer bebé?

Ela ri, ela chora, ela faz birras, brinca, gosta de dar e receber mimos, come, suja fraldas, … Ela faz tudo o que qualquer criança faz. Pode demorar um bocadinho mais a alcançar algumas competências, mas chega lá e isso é o mais importante. Pois é, ela é só uma bebé! Tenho a firme convicção de que com amor e estímulo, ela poderá ser tudo aquilo que sonhar.

É certo que temos que ter algumas preocupações extra com a saúde e com todo o desenvolvimento, mas com o tempo até isso vira rotina.

E desengane-se quem acha que não sei o que é a angústia de decidir sobre a vida de um filho. Apesar de termos descoberto a trissomia apenas às 30 semanas e de já não podermos optar pela interrupção em Portugal, facilmente o poderíamos ter feito em França ou Espanha, se essa fosse a nossa vontade.

A pressão médica, a pressão de ter que decidir em pouco tempo e a forma como os pais são informados sobre a condição genética dos filhos muitas vezes influenciam tudo o que se segue. E o que se segue pode mudar várias vidas para sempre. Depois ainda existem os medos e as opiniões alheias. Eu só posso aconselhar, caso algum dia se encontrem com um dilema semelhante: decidam com o coração e seja qual for a decisão, será a mais acertada. Não deixem que ninguém decida no vosso lugar e acima de tudo, procurem informação real e atualizada. Não se esqueçam que as pessoas gostam de falar dos dramas, mas o mundo está cheio de exemplo positivos.

Eu não trocava a minha filha por nada. Não me canso de a admirar no seu esforço diário para alcançar o que para a maioria das pessoas são dados adquiridos. Sou uma mãe orgulhosa! E sou feliz com o seu cromossoma a mais!